terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O Rio de Lágrimas

Eu vejo as lágrimas de um Anjo
Que caem sorrateiramente
Pelas paredes de minha casa,
Inundando-a num torpor
De devoção que me tormenta
Quando percebo que só as asas
De outro anjo qualquer
Podem levar embora.

Essas lágrimas furtaram as Cores
Do jardim que cultivei com esmero,
Onde cresciam amoras para alimentar
Os rouxinóis - os que cantavam o desespero
Do meu alimento de amor,
O que agora não tem mais Cor;

Fiquei cego de Cor,
Nada me é mais que preto ou branco -
Nem mesmo o marrom enferrujado do Banco
(Um que outrora sentei e,
Assistindo um Anjo cair,
Lia um livro que jamais terminarei)
Enxergo mais.

Depois foram embora os Sons:
Cessaram todos os meus cantos,
Morreram minhas Orquídeas -
Vesti-me de preto pela Melodia:
Perdi a Melodia das Orquídeas,
A que batia ao Noite-Dia
E à Água que caía
(Não por esta casa,
Esta que agora deságua em prantos,
Mas pela de cima, a da ventania,
A que morei um dia e, sabe Deus,
É o que mais desejo agora).

Agora só as lágrimas arranham o ar,
Com a lâmina fria do silêncio
Dissecam-me com curiosidade infantil
E tentam despir-me da Divindade,
O tipo de realeza que se gosta de cultivar:
A do Homem que brilha e aquece,
O dono das Canções do Desalento,
Talvez não as mais belas ou cheias de alma,
Mas é Ele, o detentor do Artifício,
E virgens deitarão sobre seu altar.

Mas as lágrimas roubam-me o calor,
Solidificam meu sangue, entopem minhas veias;
Meu jardim que já era preto e branco
Agora é só gelo-cinza;
Viraram balas as minhas amoras,
Vejo facas brancas onde havia pétalas
E elas parecem me perseguir...

Corro à luz de Aldebaran, que me protege,
Mas a esfera-Índigo de Cerâmica quebrou-se,
Num estalo, num estrondo, num ínfimo instante,
E de lá caíram todas as luzes do Mundo;
Então tropecei na borda do rio de lágrimas,
Que congelado não fluía mais,
E de relance vi-me pela última vez:

Não era mais que nada,
Um assobio no vácuo,
Um grito no escuro,
A figura da agonia do fim do ser
Mesmo sem nunca ter sido.

Riu-se,
o Anjo de longos cabelos louros,
Em regozijo
E emoldurou-me numa parede,
Junto de tantos outros,
Que a duras penas,
Aprenderam a não amar um Anjo.

sábado, 22 de novembro de 2008

Canção do Desespero

É a mesma canção
Os mesmo versos,
As mesmas dores e rimas.

Fiz novamente
Mesmo quando nada apontava,
Tudo conspirava, não é?

Ah, se meus olhos me respondessem mais
Ou minha boca me ouvisse mais

Meus fractais não seriam tão caóticos,
Minha bolha se dissolveria
No nada que almejo
Desde o dia 1.

A mesma canção, Joni,
A mesma canção.

Traga-me a guitarra espanhola
E o Vinho,
Joni, traga-me o Mundo,
Pois, quem sabe,
Também poderei ser do Mundo,
Azul como o Mundo,
Ter a o Verde que o Mundo tem

Sem precisar queimá-lo
Ao som das mesmas canções,
Nem precisar escrever-lhes
Os meus tortos velhos versos
Contando minhas repetidas dores
Sem saber nem mais rimar.


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Sonhos

É uma pena quando morre um sonho
- Morre uma fada,
- Um unicórnio ou um gnomo -
Pelo menos os que povoavam meus sonhos
Os que teimam em morrer

E me deixar seco que nem cascalho velho,
Como os das terras que habitavam as flores,
as que coloriam meus sonhos;

Mas agora não tenho sonhos nem flores;
Morreu meu sonho e murcharam minhas flores;

Delas não sobrou nem o perfume pueril,
Um de doces lembranças
Como os da minha caixa de infância

A minha caixa cheia de reminiscências
Que guardo debaixo da cama
A salvo do comedor de sonhos
Que dorme sobre ela

Sobre a minha cama ele tempera sonhos
Com ilusões que teimam a me enganar,

Umas ilusões quase-pútridas,
Uns sonhos quase-podres,
Futuramente mortos...

Esses sonhos-derrota,
Essa não-ação...

Mas os guardo,
Mesmo esses sonhos que me matam,
Pois, melhor morte é essa
Do que a de definhar de razão.

sábado, 18 de outubro de 2008

Licensa Poética

Eu?
Deverei eu honrar minha licensa poética até o fim?
Ignorar fatos e a gramática sempre que puder,
ou melhor,
Ignorar quando me for conveniente,
como quando deixei de usar todos os meus pentes
ou deixei de comprar pastas de dente
ou comecei a não dar mais bola pra gente que mente.

Me deixar distorcer o que vejo só para ficar mais bonito
no verso de um papel de pão quente que seja
Na trocentézima carta de amor perdida pela correnteza, meu bem, com certeza,
Isso me trará o prazer inefável da transgressão
E é o único que tenho...
...e olha que já está faltando

Pois já estou sucumbindo aos grilhões da simetria do mundo
e meus sonhos não são mais surreais
nem, ao menos, coloridos
nem, ao menos, fatais.

Quem sabe não está na hora de parar?
Vai ver que o fim é assim...

domingo, 14 de setembro de 2008

Um Ninho Feito de Penas

Você está vendo?
Minha árvore está morrendo.
Acontece todo ano,
Apesar dos meus alertas
Que queimam suas folhas;

E suas flores,
Às que devo a morte
De todas as minhas borboletas,
Estão caindo; e minhas borboletas,
Estas estão dançando

Em harmonia com meus espasmos,
Os que chamam de naturais,
Os que fazem a minha natureza
Ser a de que tudo volta
Por baixo de um lençol branco

Ou numa fotografia manchada de tempo,
Cujo verso me lembra das dores
Que não me perdoaria se esquecesse,
Pois ainda há em mim a esperança
De me arrepender e, de novo, não morrer

Como morre a minha árvore que,
Como vês, está morrendo
Assim como no ano passado
Quando a esculpi um corpo esbelto,
Daqueles dos meus sonhos

Que deixam meus movimentos agressivos
E minhas borboletas com raiva
De toda acidez que ingeri;
Então volta toda e cuspo fogo,
Derreto meus regadores e mangueiras.

Parece que arranjo todas as maneiras
De fazer minha árvore morrer
E, por fim, poder apreciar o fogo e padecer
Só para poder sentar aqui e escrever,
Como um ninho feito das minhas penas.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Palmeiras Selvagens

Que o William Faulkner me perdoe pela apropriação.
Culpa do destino que plantou seu livro no meu caminho - duas vezes.

Palmeiras Selvagens

Há uma Palmeira Selvagem na frente de minha casa
Que me serve de descanso quando tudo quebra e torce
E nenhuma música agrada meus ouvidos treinados
Para não se sentirem confortáveis com os barulhos das máquinas
Que corromperam o silêncio do mundo.

A janela do meu quarto enquadra a Palmeira Selvagem
Da meia-altura de seu torço ao fim do mais alto de seus galhos
Que me servem de aposta durante as tempestades de verão,
Pois digo que nunca os verei torcer ou quebrar e os chamarei,
Por artifício da inveja, de meus braços.

Mas hoje foi um dia de Sol e me sentei á minha varanda
Observando a solene firmeza da Palmeira Selvagem que balançava
Acenando-me a melodia que puxa da Terra e dela se alimenta
Para amanhã não se surpreender com os ventos do Norte e com a Chuva
Que a corta fundo, talhando minhas digitais.

E quando volta o furacão e a Palmeira Selvagem balança,
Volta-me o medo bobo do fim das Eras das Palmeiras Selvagens,
Portanto corro para segurar meus espelhos que convulsionam calados,
Corro para pegar meu estandarte todo branco recém confeccionado,
E planto meus pés fundo no meu jardim.

sábado, 2 de agosto de 2008

Homens

Enquanto andava sobre os cacos das noites passadas e do dia de hoje
Quando os homens sem pais quebraram as bancas de jornais e as suas casas
Alvejando as mentiras brancas que lhes foram contadas
Vi um alvo anjo do Senhor.

Olhando aquele ser de asas douradas, senti-me milhão de vezes mais fraco
Como se borboletas tirassem minhas forças e as levassem para o céu
Desenhando em tons pastéis minha mortalidade e passageirisse
Sujando as mãos do anjo de vermelho-sangue.

Tive medo que a minha lógica pudesse rapidamente
Questionar-me e fazer a visão desaparecer,
Por mais sangrenta que ela fosse, não poderia aparecer
Para um filho do Senhor que a tanto ignora seu Pai.

Portanto contive-me e re-organizei minhas memórias,
Sabia que lhe deveria algo perguntar, então,
Enquanto bombas celestes zuniam através de todos os ouvidos
Isto o perguntei:

Nove anos apenas e um buraco no peito?
Negou-lhe, ao seu pai, a paterna divina defesa
Derrubando as lágrimas que secam no cacto frio de espinhos
Do homem perdido na barganha do demônio.

Olhava-me com a amargura dos irremediáveis milênios,
O anjo do Senhor; sua carruagem flamejante, de ouro dos olhos dos homens,
Os que atiram para cima sem parar, está pronta, preparada para voar
Para os portões do Paraíso, onde o olho do homem não se corromperá.

E em todo lugar havia o alvoroço e o vidro quebrado e
Os sons entravam em qualquer lugar. Mas o seu braço era forte e me segurava,
Queria tocar sua trombeta e chamá-los todos às suas asas,
Queria tomá-los em seus braços e iniciar uma celebração.

Mas naquela maçã havia mais, e Lúcifer sabia mais do que era,
Pois o homem não se interessa mais por músicas e celebração
E as mãos do anjo do Senhor começam a pingar
O sangue dos filhos dos homens com buracos no peito.

Grita em lamento, a criatura divina, chora trovões no céu,
Subindo para onde agora tenho certeza nenhum homem deveria chegar.
Pois nós, os filhos do Senhor, cavamos nosso peito em busca do ouro
Nos olhos dos filhos dos nossos irmãos, aqueles que alvejamos.

Sete bilhões de anos e peitos despedaçados,
Negamos, a nossos filhos, a bênção divina da defesa
Derrubando as lágrimas que secam no cacto frio de espinhos
Dos homens perdidos na barganha do demônio.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Tempos Verbais

Vez ou outra, por outros dias e até neste mesmo (provavelmente outros seguirão), penso no que poderia ter sido.

Esta construção verbal é recorrente em meus trabalhos: poderia ter sido.

Quando fez-se o verbo, Ele era. Apenas o Ser era compreensível, mais que isso, apenas o Ser de fato Era. E a todos nós Ele recai: seguramos nossas mãos ao redor deste fosso que é o Ser. Olhamo-nos, olhamos para o Fundo. Ele apenas É.

Mas não sei dizer, apenas aconteceu. Olho também para o céu e o contamino com o escuro. Ao pensar em adiantamento, penso logo sou, por pensar posso existir - posso. Vejo, de repente, o Ser se torna o Poderia ser. Apenas escuto.

Mas ao escolher a hora do poder, sento e escuto. Sofro por escolher a hora do poder, sento e escrevo. Sofro pelo Poder de ser, distância do Divino. E quando me dou conta de tudo que posso ser mas serei de fato apenas um pequeno conjunto de todas essas coisas, sofro e escolho.

Sofro e escolho para poder escrever adiante. Escrever sobre tudo que poderia ter sido. E este é o tempo que mais dói.

O Velho

O sino toca.
As árvores parecem balançar; não há vento.
Onde coloquei meus óculos?
As cores parecem roubadas;
Algum dia vou me arrumar outro daqueles sinos.
Eles balançarão para mim, balançarão ao vento.

Latem os cachorros - como correm.
Há em suas brincadeiras uma que foi minha,
Mas que não ouso comentar.
Talvez se conseguisse outro daqueles sinos,
Um que balançasse ao vento,
Ou uma bicicleta.

Se houvesse uma bicicleta, nela haveria
Um daqueles sinos, um que tocaria ao vento.
Se não há vento, não é problema,
Eu ponho meu sininho para balançar
Enquanto corro com minha bicicleta
E com meus cachorros inocentes.

Mas não há bicicletas,
Rezo pelo vento e pelos sinos.

(20/04/08)

domingo, 20 de abril de 2008

O Nada é cheio; nada do que Quero.

A tristeza do começo de uma poesia - pela ânsia da escrita - é dada pela incapacidade da imaginação. Sinto-me, mais que nunca, passível diante de meu maior temor: ser nada mais que um eu de pedra, ser tudo menos que aquelas bonitas palavras.

Ser como os Maiores, se não pelo tamanho pelo menos pelo ofício.

"É sempre a nossa tentativa de sermos plenos sem, de fato, conseguirmos sair da prisão de nós mesmos..." (Brisa de Araújo)

Sim, estas são minhas tentativas. Há um Caderno Negro cheio delas: um que parece passado, fica mais distante. Meu nome se apaga.

Me sobram as reminiscências; as vezes algo vem como o que segue. O resto é do Passado.

Não sei se tenho coragem para me mostrar o passado.

Esta Poesia é sobre nada

Que venham as palavras bonitas,
as rimas mal-feitas,
Deixo chegarem as frase esquisitas
ou as mais perfeitas seqüências
de letras
(que podem nem fazer sentido).

Sento-me ao caderno,
escrevo ao Nada e nada leio,
só tenho o Nada,
Mas nada não é cheio.

Proponho o enrolado,
ponho as vírgulas fora de ordem
, deixo o leitor apavorado
- Oh, que escrito original
Nada, é que o meu nada não é normal.

Leio Yeats, vou ao Interior,
Escolho (só por prazer)
uma viagem ao exterior:
Passo tempo falando de neve
ou qualquer coisa que leve tempo,
pois apesar de nada ter para falar
ainda acho que tenho talento.

Mas essa idéia morre, cai no chão -
Talento é para poucos -
A mim só sobra a solidão.
Sai o sangue, sai a rima, nada que me comprima,
Que represente meu quadro,
Meu nome que nele deveria estar pintado. Talvez

Apelo aos Deuses, trovões e tragédias romanescas:
se não funciona
Liberto minha mente,
Sirvo filósofos à Puttanesca.
Sinto que perco, me perco pouco a pouco,
Um dia, um dia não haverá mais nada.
Meus dedos cairão, não sobrará mais nada.

Sei que nada serei; apenas uma gaiola vazia.

(20/04/08)

quarta-feira, 2 de abril de 2008

A Fuga


Falta de Ordem - a cronológica -, apenas a falta de qualquer lógica: seria ela, a Ordem ou a lógica?, necessária?

A lógica da repetição faz sentido; é presente, não respeita o cansaço. Aquela faixa engraçada de lados trocados suga as energias daqueles que tentam pular para outro lado, o inexistente.

Por isso A Fuga: A Arte (aqui utilize o conceito que quiser). Devo, então, usar as palavras de certo Pessoa: "O essencial da arte é exprimir; o que se exprime não interessa."

E se a expressão for não mais que essas mortalmente repetidas palavras? Uns farrapos de letras que possivelmente milhares já cantaram antes; representantes da vileza de um sentimento comum.

Responda-me, Amigo.

Inglaterra

Vou-me embora pra Inglaterra
Andar em ruas estreitas
Parar por entre relógios
Tomar chá com chapeleiros
Ver um anjo na neve

Vou voando pra Inglaterra
Deixar este mar bravio
Despir do sentimento arredio
Pelo chicote dos olhares descritos
Daqueles que são bons demais

Sabe, espero encontrar na Inglaterra
Nem nova vida nem nova amada
Só nova alvorada e nova morada,
Bases firmes e fortes para agüentar o peso
E a dor da consciência daquele
Que foge sem olhar pra trás

Vou fugindo pra Inglaterra
Para esquecer que no beijo fiquei só
Até no imaginário, que é secreto,
Não vou lembrar dos seus seiscentos amigos
Nem dos quatrocentos amantes antigos
Muito menos lembrarei de seu sorriso furtivo
Que até a cor dos meus cabelos levava

Vou chorando pra Inglaterra
Girar nas pedras em círculo
Procurar um grande monstro perdido, e
No infinito das estrelas cadentes e dos cometas,
Me perderei no caminho de leite,
Que derramado e salgado estará,
Pois eu, estátua de sal, dissolvido vou ficar.

sábado, 29 de março de 2008

Recomeço


A arte do recomeço não está conectada ao esquecimento; conexões que se gostaria de perder ou fazê-las mais fracas, simplórias, sem detalhes.

Pelo menos não a minha. Grito ao recomeço para criar meu nome novo dos destroços de antigos outros - um processo de autofagia temporal que me fará não outro, mas além do que fui (o que poderia ter sido?).

As intermitências de uma função comportamental julgarão a frequência de minhas passagens, umas breves outras menos do que deveriam, por este porto.
Escrevo ao recomeço e, como ilustração de mim mesmo, a primeira (escolhida apenas pela força que me põe a escrever):

Do Saber

eu sei
eu sei de tudo
da flor morrendo seca do jegue montado no piano,
sei o que é um cachimbo

uma privada de idéias
rei do medíocre
imperador do mediano
dançando na mediocridade do mediano
mediocridade dourada
aurea mediocritas
ave latim chachorresco

de um dourado verdemeleca
verdemeleca que suja o céu na intersecção do horizonte espadachim com o panodeastros
panodeastros que me encobre
um traponasal
um traponasal grande sabedor de tudo...
de tudo que ninguém quer saber