quarta-feira, 30 de abril de 2008

Tempos Verbais

Vez ou outra, por outros dias e até neste mesmo (provavelmente outros seguirão), penso no que poderia ter sido.

Esta construção verbal é recorrente em meus trabalhos: poderia ter sido.

Quando fez-se o verbo, Ele era. Apenas o Ser era compreensível, mais que isso, apenas o Ser de fato Era. E a todos nós Ele recai: seguramos nossas mãos ao redor deste fosso que é o Ser. Olhamo-nos, olhamos para o Fundo. Ele apenas É.

Mas não sei dizer, apenas aconteceu. Olho também para o céu e o contamino com o escuro. Ao pensar em adiantamento, penso logo sou, por pensar posso existir - posso. Vejo, de repente, o Ser se torna o Poderia ser. Apenas escuto.

Mas ao escolher a hora do poder, sento e escuto. Sofro por escolher a hora do poder, sento e escrevo. Sofro pelo Poder de ser, distância do Divino. E quando me dou conta de tudo que posso ser mas serei de fato apenas um pequeno conjunto de todas essas coisas, sofro e escolho.

Sofro e escolho para poder escrever adiante. Escrever sobre tudo que poderia ter sido. E este é o tempo que mais dói.

O Velho

O sino toca.
As árvores parecem balançar; não há vento.
Onde coloquei meus óculos?
As cores parecem roubadas;
Algum dia vou me arrumar outro daqueles sinos.
Eles balançarão para mim, balançarão ao vento.

Latem os cachorros - como correm.
Há em suas brincadeiras uma que foi minha,
Mas que não ouso comentar.
Talvez se conseguisse outro daqueles sinos,
Um que balançasse ao vento,
Ou uma bicicleta.

Se houvesse uma bicicleta, nela haveria
Um daqueles sinos, um que tocaria ao vento.
Se não há vento, não é problema,
Eu ponho meu sininho para balançar
Enquanto corro com minha bicicleta
E com meus cachorros inocentes.

Mas não há bicicletas,
Rezo pelo vento e pelos sinos.

(20/04/08)

domingo, 20 de abril de 2008

O Nada é cheio; nada do que Quero.

A tristeza do começo de uma poesia - pela ânsia da escrita - é dada pela incapacidade da imaginação. Sinto-me, mais que nunca, passível diante de meu maior temor: ser nada mais que um eu de pedra, ser tudo menos que aquelas bonitas palavras.

Ser como os Maiores, se não pelo tamanho pelo menos pelo ofício.

"É sempre a nossa tentativa de sermos plenos sem, de fato, conseguirmos sair da prisão de nós mesmos..." (Brisa de Araújo)

Sim, estas são minhas tentativas. Há um Caderno Negro cheio delas: um que parece passado, fica mais distante. Meu nome se apaga.

Me sobram as reminiscências; as vezes algo vem como o que segue. O resto é do Passado.

Não sei se tenho coragem para me mostrar o passado.

Esta Poesia é sobre nada

Que venham as palavras bonitas,
as rimas mal-feitas,
Deixo chegarem as frase esquisitas
ou as mais perfeitas seqüências
de letras
(que podem nem fazer sentido).

Sento-me ao caderno,
escrevo ao Nada e nada leio,
só tenho o Nada,
Mas nada não é cheio.

Proponho o enrolado,
ponho as vírgulas fora de ordem
, deixo o leitor apavorado
- Oh, que escrito original
Nada, é que o meu nada não é normal.

Leio Yeats, vou ao Interior,
Escolho (só por prazer)
uma viagem ao exterior:
Passo tempo falando de neve
ou qualquer coisa que leve tempo,
pois apesar de nada ter para falar
ainda acho que tenho talento.

Mas essa idéia morre, cai no chão -
Talento é para poucos -
A mim só sobra a solidão.
Sai o sangue, sai a rima, nada que me comprima,
Que represente meu quadro,
Meu nome que nele deveria estar pintado. Talvez

Apelo aos Deuses, trovões e tragédias romanescas:
se não funciona
Liberto minha mente,
Sirvo filósofos à Puttanesca.
Sinto que perco, me perco pouco a pouco,
Um dia, um dia não haverá mais nada.
Meus dedos cairão, não sobrará mais nada.

Sei que nada serei; apenas uma gaiola vazia.

(20/04/08)

quarta-feira, 2 de abril de 2008

A Fuga


Falta de Ordem - a cronológica -, apenas a falta de qualquer lógica: seria ela, a Ordem ou a lógica?, necessária?

A lógica da repetição faz sentido; é presente, não respeita o cansaço. Aquela faixa engraçada de lados trocados suga as energias daqueles que tentam pular para outro lado, o inexistente.

Por isso A Fuga: A Arte (aqui utilize o conceito que quiser). Devo, então, usar as palavras de certo Pessoa: "O essencial da arte é exprimir; o que se exprime não interessa."

E se a expressão for não mais que essas mortalmente repetidas palavras? Uns farrapos de letras que possivelmente milhares já cantaram antes; representantes da vileza de um sentimento comum.

Responda-me, Amigo.

Inglaterra

Vou-me embora pra Inglaterra
Andar em ruas estreitas
Parar por entre relógios
Tomar chá com chapeleiros
Ver um anjo na neve

Vou voando pra Inglaterra
Deixar este mar bravio
Despir do sentimento arredio
Pelo chicote dos olhares descritos
Daqueles que são bons demais

Sabe, espero encontrar na Inglaterra
Nem nova vida nem nova amada
Só nova alvorada e nova morada,
Bases firmes e fortes para agüentar o peso
E a dor da consciência daquele
Que foge sem olhar pra trás

Vou fugindo pra Inglaterra
Para esquecer que no beijo fiquei só
Até no imaginário, que é secreto,
Não vou lembrar dos seus seiscentos amigos
Nem dos quatrocentos amantes antigos
Muito menos lembrarei de seu sorriso furtivo
Que até a cor dos meus cabelos levava

Vou chorando pra Inglaterra
Girar nas pedras em círculo
Procurar um grande monstro perdido, e
No infinito das estrelas cadentes e dos cometas,
Me perderei no caminho de leite,
Que derramado e salgado estará,
Pois eu, estátua de sal, dissolvido vou ficar.